Cuidado com o arame farpado...

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Superação

Superação é você chegar ao fundo do poço. Mas não uma vez, só...
É cair e ter forças pra lutar. Lutar consigo mesmo, acreditando sempre na própria força e capacidade pra realizar um sonho, um objetivo.
Nossa mente possui um limite... quando você pensa que já não aguenta mais, ou que está no fundo do poço e ficará lá para sempre, ainda reside aquela força que te faz continuar, que te faz mudar de idéia, e acreditar que na realidade você agüenta, e não, você não ficará lá para sempre, pois os verdadeiros guerreiros superam os próprios limites. Os limites da mente ou do corpo... geralmente são os dois, que suplicam pra você parar, pra você desistir, pra você aceitar que seu objetivo nunca será alcançado, que você é um fracassado e que para sempre vai ser assim.
Superação é você sair do fundo do poço, sim, mas mais do que isso, é permanecer no topo.
Superação é você não se manter no topo e cair novamente. E começar tudo de novo.
É você ouvir as críticas, os deboches, e permanecer em pé, e apesar de tudo, com orgulho de si mesmo, sempre.
A insistência, o orgulho e a paixão são para poucos. A persistência em seus objetivos será sempre motivo de deboche para os fracos, e o orgulho e a paixão são essências raras que só um guerreiro consegue ter.
Permita-se fracassar, pois só assim conhecerás a si mesmo e atestará sua força. Permita-se chegar ao fundo do poço. Não uma, mas várias vezes. Permita-se sonhar...
Nunca se envergonhe de nada, mantenha a cabeça erguida perante os problemas e às pessoas que estão sempre à espreita para nos apedrejar e nos tirar do caminho e lembre-se que sua luta é consigo mesmo.
Você tem um compromisso... que é consigo mesmo.
Você tem um sonho...
Lute! 
Acho que o relacionamento que a gente tem com os livros são como relacionamentos humanos. Tem uns que a gente ama, deixa sempre por perto. Outros a gente passa uma noite, aproveita e depois deixa num canto, mas sempre o tendo como um troféu.
Outros não desce... Por mais que você tente se relacionar, parece que não faz seu tipo, mesmo você achando que tem alguma a coisa a ver com você. É a ilusão, a desilusão amorosa.

Por exemplo, um livro que SEMPRE quis ler, mas depois descobri que na verdade eu não quero! É muito chato! Em contrapartida, aparece aquele livro que de repente desperta aquele interesse inusitado.

Pelo menos é assim comigo. Sempre quis ler "Mate-me por favor - uma história sem censura do Punk", achando que eu acharia o máximo só porque a grande e avassaladora maioria que leu, elogiou muito. Mas não me desce. Ô, livrinho chato!!! Por outro lado, nunca imaginei que acharia o máximo um livro sobre Skinhead. (Espírito de 69)
É culpa do amor, mais uma vez.
Eu "me converti" há alguns anos ao Ska e tudo que tem a ver com isso passou a ser uma paixão sem explicação.

Ok, o texto romântico do começo foi só uma armadilha pra você ler até o final. hahahaha

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se  do sofrimento, perdemos também a felicidade. A dor é inevitável. O sofrimento é opcional.
(Carlos Drummond de Andrade)

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

A consulta - Luis Martins

-- Sua aparência é saudável, mas as aparências às vezes enganam. Vamos lá ver: que é que o senhor sente?
-- O que eu sinto, doutor? Não sei dizer direito. É uma espécie de opressão, de angústia, de ansiedade...
-- E o senhor pensa que eu também não sinto? Isto é normal. Normalíssimo. Que mais?
-- Bem, doutor. Eu tenho insônias.
-- E eu não tenho, por acaso? Pergunte ao seu vizinho se não tem também.
-- Eu não me dou com o meu vizinho.
-- É isto: não se dá com o vizinho. Eu também não me dou com o meu. Ninguém se dá com ninguém. Mas não precisa perguntar: eu sei. Seu vizinho não consegue dormir. Ninguém consegue. Isto é normal.
-- Mas, doutor...
-- Eu sei: o senhor anda nervoso, excitado, angustiado... Diga-me: não sente medo? Um medo sem causa, sem nenhum motivo aparente, medo de qualquer coisa que o senhor não sabe o que é?
-- Realmente...Eu estava com vergonha de dizer, mas, desde que o senhor falou, é verdade: sinto,sim.
-- Ótimo! O senhor sente medo. Eu também sinto. Ótimo, torno a dizer. O senhor não tem nada, meu amigo. Está inteiramente são, uma vez que sente medo. Se não sentisse, aí sim, precisaríamos procurar as causas dessa anomalia. Talvez fosse grave.
-- Sabe, doutor? Às vezes, tenho a impressão de que estou ficando neurótico.
-- Claro que está! E eu não estou? E o seu vizinho não está? E todo o mundo não está? E o senhor pensa que vai ficar de fora? Por que? Mas reflita um pouco, meu caro. O senhor vive, eu vivo, toda a gente vive num mundo anormal, sádico, doente, sanguinário, onde a regra é a falta de regras, um mundo hediondo e tenebroso, onde o homem é cada vez mais - e como nunca foi - o lobo do próprio homem. Um mundo de guerras, de massacres, de hecatombes, alicerçado no ódio, na iniquidade e na violência. Acrescente a tudo isso a poluição atmosférica, a poluição sonora, a poluição moral, a degradação dos costumes, a falência dos serviços públicos, o colapso do trânsito, a morte da urbanidade, da cordialidade, da solidariedade humanas. O senhor sente angústia. É natural. O senhor tem medo. Normalíssimo. O senhor tem insônias. Como não tê-las? Meu caro cliente, vá tranquilo: o senhor não tem absolutamente nada. Passe bem. O próximo, por favor?

(16/1/1973)

O inimigo número um - Luis Martins

Amanheci hoje de muito mau humor. Estou danado da vida com um camarada que, sempre que me pega distraído, me faz uma "ursada"; e por mais que ele depois se mostre humilde e arrependido, procurando reparar o mal que me fez, já lhe disse peremptorimente, muitas vezes, que não quero saber de conversas. Não adianta.
Nem desejo vê-lo. Mas é muito difícil, quase impossível, fugir de sua presença incômoda. Ele me acompanha, como uma sombra. E, dia e noite, com o maior descaramento, vem me surpreender nos momentos mais importunos, para continuar a monótona palinódia da sua contrita justificação de pecados. É de amargar.
No fundo, eu nem sei, não é mau sujeito. Mas, nele, principalmente, o que me irrita e exaspera é o seu sentimentalismo baboso, a sua ternura adocicada, a falta de policiamento das suas emoções, a facilidade com que se deixa enternecer, a pueril confiança afetiva que tem nos seus semelhantes, o despudorado cinismo com que põe o seu coração à mostra. Tudo o enternece, extasia e comove. Se ele se mostrasse um pouco mais firme, mais consistente, mais duro, mais sarcástico, mais ferino, mais capaz de ironia, ou mesmo de ódio - talvez eu o suportasse. Mas essa eterna água-com-açúcar - que insipidez enjoativa!
É preciso que todos saibam: eu, de minha parte, não sou sentimental - tenho raiva de quem é. É esse camarada que me leva a esses excessos de indiscriminada afeição pelo próximo, nos momentos em que me distraio e permito que ele entre em cena para, indevidamente, falar por mim.
Por infelicidade, usa o meu nome e tem a minha aparência física. De modo que muita gente me confunde com ele. Mas é - creiam os senhores - o meu inimigo número um. E, na minha opinião (suspeita, porque o detesto) é o indivíduo mais cacete que Deus pôs no mundo. Ainda agora, eu o vi de relance - e quase lhe arrebentei o olho com um soco.
Mário de Andrade escreveu um dia que era trezentos, trezentos e cinquenta. Eu, não. Eu sou dois, apenas. Mas esse "outro" tão diferente de mim, como me dá trabalho e aborrecimentos! Eu sou um homem sério - ele é boêmio; eu sou árido, seco e reflexivo - ele é um lírico descabelado; eu gosto da ordem e do método - ele é um desordenado crônico; eu tenho consciência de que já não sou criança - ele pensa ter ainda vinte anos; eu escrevo crônicas para ganhar a vida - ele rabisca sonetos que mete em minha gaveta; eu sou tímido e reservado - ele aparenta uma desenvoltura que me deixa escandalizado e perpelxo; eu sou ponderado, grave e sisudo - ele é um poeta bissexto; eu medito, com frequência, na morte - ele, cabeça de vento, só sabe pensar na vida, que ama com uma paixão embriagadora e um êxtase apaixonado de adolescente...
Cheguei à conclusão de que não posso deixá-lo à solta. Trago-o, por isso, em cárcere privado, a pão e água. O diabo é que ele, às vezes, burlando a minha vigilância, consegue escapar - e então faz as piores. Mesmo esta crônica, por exemplo, quem a escreveu foi ele.

(1961)



Ciranda dos ventos - Luis Martins


Manhã de opala, carneiros no monte, queixume na fonte, nuvens distantes, estradas barrentas, sombras sonolentas, ciranda dos ventos...Dias perdidos no tempo. Por onde andei, por onde ficaram pedaços esparsos de mim mesmo? Em terras diversas, massapê e asfalto, areia e pedra, ficou talvez  a marca de meu pé, para sempre incrustada na paisagem. Pé anônimo e ignorado, vestígio de presença humana incorporada à indiferença das coisas. Talvez uma velha parede conserve marcas de meus dedos sujos de criança em sua cal; talvez uma porta de hotel apresente um arranhão distraído em sua madeira. Por aí andei eu - e deixei cicatrizes.
Sinto-me espalhado por muitas terras. Sou tudo que ficou de mim. E estou preso, por infinitos e sinuosos fios, a todos esses cenários do passado; marionette que se move manobrada por dedos invisíveis, que estão longe, escondidos na distância do tempo e do espaço.
O que falo, procedo, penso ou sinto, está condicionado pelo que vivi; vestígios dessa presença sutil insinuam-se nos momentos distraídos do sonho.
Ninguém é feito de uma só argila, mas da mistura de muitos barros. Apenas minha aparência física encontra-se no minuto presente. O resto está espalhado por aí.
Recolho diariamente todos esses fragmentos de mim mesmo e exibo-me pelas ruas como uma vitrina de antiguidades. Mas os outros não vêem nada.

(1954)

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Quer ser meu amigo? legal!
Não quer? não sabe o que está perdendo.
me odeia? Sei fazer você me odiar cada dia mais. E tenho prazer com isto.

Raros olham para dentro,
já que dentro não tem nada.
Apenas um peso imenso,
a alma,
esse conto de fada.

(Paulo Leminski)

Diante do mar - Luís Martins



Sim, era aquele mar, eram aquelas ondas, era aquela areia. O homem olhou em torno - eram aqueles arranha-céus - arrumou sua barraca, estendeu sua lona, deitou-se. Não, porém, na lona; sobre ela depositou a camisa, os cigarros, os fósforos. Estendeu-se na areia branca e fofa, que o acariciava com os dedos nostálgicos de outras manhãs antigas e distantes, manhãs de outrora...
Sim, era o mesmo mar. Amplo, verde, inquieto, bravio. As mesmas ondas, que se desmanchavam em espuma branca e sussurrante. O mistério oceânico, a fascinação das longas travessias, o tentador convite às viagens. O homem pôs-se a recordar.
Já agora, conhecia a satisfação da aventura: por aquela mesma barra um dia entrara em saíra, no bojo de um grande navio. Conhecera a monotonia e o embalo das calmarias transatlânticas, entre desconhecidos de short e mulheres adormecidas em cadeiras de lona. A estranha magia do luar sobre o deserto negro e ondulante das noites oceânicas. Era bom.
Distante da praia, um navio atravessava a barra, para o mar alto. O homem sentiu o entusiasmo, a angústia, o estremecimento de outrora. Por um momento, foi o jovem ansioso de outros tempos, ávido de desconhecido, sequioso de outras terras e de outras gentes, esperançoso de outras aventuras e de outras vidas. Partir! Partir para não importa onde, mas partir - pobre mocidade extinta!
O mesmo mar, as mesmas ondas, a mesma areia. Com que tocante fidelidade esperaram, imutáveis, a sua volta! Ele é outro, porém. Criou raízes em terra firme. E aprendeu que a aventura - aqui mesmo, ao alcance de seus braços distraídos e de sua alma tanto tempo perdida por falsos e enganadores roteiros marítimos.
Apesar de tudo, sim, apesar de tudo - ah! se ele pudesse! - uma viagenzinha não faria mal a ninguém... O homem fecha a barraca de lona e as esperanças inúteis. Veste a camisa, acende um cigarro. Antes de deixar a praia, entretanto, demora-se longamente olhando o mar. Muito custa a um homem despedir-se de seus sonhos.

(1956)