Cuidado com o arame farpado...

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Quer ser meu amigo? legal!
Não quer? não sabe o que está perdendo.
me odeia? Sei fazer você me odiar cada dia mais. E tenho prazer com isto.

Raros olham para dentro,
já que dentro não tem nada.
Apenas um peso imenso,
a alma,
esse conto de fada.

(Paulo Leminski)

Diante do mar - Luís Martins



Sim, era aquele mar, eram aquelas ondas, era aquela areia. O homem olhou em torno - eram aqueles arranha-céus - arrumou sua barraca, estendeu sua lona, deitou-se. Não, porém, na lona; sobre ela depositou a camisa, os cigarros, os fósforos. Estendeu-se na areia branca e fofa, que o acariciava com os dedos nostálgicos de outras manhãs antigas e distantes, manhãs de outrora...
Sim, era o mesmo mar. Amplo, verde, inquieto, bravio. As mesmas ondas, que se desmanchavam em espuma branca e sussurrante. O mistério oceânico, a fascinação das longas travessias, o tentador convite às viagens. O homem pôs-se a recordar.
Já agora, conhecia a satisfação da aventura: por aquela mesma barra um dia entrara em saíra, no bojo de um grande navio. Conhecera a monotonia e o embalo das calmarias transatlânticas, entre desconhecidos de short e mulheres adormecidas em cadeiras de lona. A estranha magia do luar sobre o deserto negro e ondulante das noites oceânicas. Era bom.
Distante da praia, um navio atravessava a barra, para o mar alto. O homem sentiu o entusiasmo, a angústia, o estremecimento de outrora. Por um momento, foi o jovem ansioso de outros tempos, ávido de desconhecido, sequioso de outras terras e de outras gentes, esperançoso de outras aventuras e de outras vidas. Partir! Partir para não importa onde, mas partir - pobre mocidade extinta!
O mesmo mar, as mesmas ondas, a mesma areia. Com que tocante fidelidade esperaram, imutáveis, a sua volta! Ele é outro, porém. Criou raízes em terra firme. E aprendeu que a aventura - aqui mesmo, ao alcance de seus braços distraídos e de sua alma tanto tempo perdida por falsos e enganadores roteiros marítimos.
Apesar de tudo, sim, apesar de tudo - ah! se ele pudesse! - uma viagenzinha não faria mal a ninguém... O homem fecha a barraca de lona e as esperanças inúteis. Veste a camisa, acende um cigarro. Antes de deixar a praia, entretanto, demora-se longamente olhando o mar. Muito custa a um homem despedir-se de seus sonhos.

(1956)