Cuidado com o arame farpado...

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Ciranda dos ventos - Luis Martins


Manhã de opala, carneiros no monte, queixume na fonte, nuvens distantes, estradas barrentas, sombras sonolentas, ciranda dos ventos...Dias perdidos no tempo. Por onde andei, por onde ficaram pedaços esparsos de mim mesmo? Em terras diversas, massapê e asfalto, areia e pedra, ficou talvez  a marca de meu pé, para sempre incrustada na paisagem. Pé anônimo e ignorado, vestígio de presença humana incorporada à indiferença das coisas. Talvez uma velha parede conserve marcas de meus dedos sujos de criança em sua cal; talvez uma porta de hotel apresente um arranhão distraído em sua madeira. Por aí andei eu - e deixei cicatrizes.
Sinto-me espalhado por muitas terras. Sou tudo que ficou de mim. E estou preso, por infinitos e sinuosos fios, a todos esses cenários do passado; marionette que se move manobrada por dedos invisíveis, que estão longe, escondidos na distância do tempo e do espaço.
O que falo, procedo, penso ou sinto, está condicionado pelo que vivi; vestígios dessa presença sutil insinuam-se nos momentos distraídos do sonho.
Ninguém é feito de uma só argila, mas da mistura de muitos barros. Apenas minha aparência física encontra-se no minuto presente. O resto está espalhado por aí.
Recolho diariamente todos esses fragmentos de mim mesmo e exibo-me pelas ruas como uma vitrina de antiguidades. Mas os outros não vêem nada.

(1954)

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